sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

A vida marinha de Zissou

Estilização em "A Vida Marinha com Steve Zissou" Escrito por Mariana Souto Wes Anderson, um dos mais autorais diretores do cinema atual, desenvolve ainda mais seu estilo em seu último filme – A Vida Marinha com Steve Zissou. A obra aborda a saga do oceanógrafo-documentarista Steve Zissou e sua equipe em busca de vingança ao tubarão-jaguar, responsável pela morte de seu companheiro Esteban. Desde Três é Demais e Excêntricos Tenenbaums, Anderson já vinha desenvolvendo sua identidade visual. Dessa vez, sua tipicidade é acentuada em uma aventura que parece correr em um universo particular. Para ressaltar a atmosfera diferenciada, o diretor utiliza vários recursos, como a estilização de figurinos e cenografia, o tratamento da fotografia e, o mais inusitado, a mistura de animação stop-motion com os personagens de carne e osso, o que parece vir de inspirações dos primórdios do cinema de Georges Méliès e posteriormente do cineasta e animador tcheco Karel Zeman. A linguagem e as técnicas escolhidas por Wes Anderson vêm a ressaltar sua proposta de cinema inverossímil: a dramaturgia tem toques de nonsense, com personagens excêntricos, diálogos estranhos e um humor de sutilezas, marcado pelas longas pausas dramáticas. O texto tem momentos hilários, mas é interpretado de maneira absolutamente séria, o que lhe dá um tom de singela comédia de absurdos. A Vida Marinha gira em torno do personagem de Steve Zissou, documentarista que atravessa uma crise de meia-idade, ao mesmo tempo em que perde seu amigo e é deixado pela esposa. O objetivo máximo de Zissou é encontrar o tubarão-jaguar – animal que sequer existe na biologia – e vingar-se. O personagem parece ter criado uma fixação com a criatura, colocando nessa busca todos os seus esforços. A trajetória de Steve Zissou em busca do tubarão-jaguar pode ser comparada a algumas histórias do imaginário do espectador: Capitão Nemo em Vinte Mil Léguas Submarinas, Capitão Ahab em Moby Dick e Capitão Gancho em Peter Pan. Em todas elas, há o homem buscando incansavelmente um objetivo, como parte de uma tentativa de vingança. Todos eles colocavam a responsabilidade sobre suas angústias em um animal e, portanto, a solução dos problemas em sua caça. A Vida Marinha soa como uma versão moderna desta mesma saga. Zissou transferiu todo o drama humano, a crise de meia-idade, os problemas financeiros e uma infinidade de questões para a obstinação com o animal. Quando finalmente se depara com ele, percebe que matá-lo não o livraria da dor de sua existência e é tomado tanto por uma compaixão como por uma admiração pela beleza do mundo natural. Com referências como Moby Dick, Peter Pan e Vinte Mil Léguas Submarinas, clássicos da literatura, A Vida Marinha com Steve Zissou trabalha em cima da estética da obra literária. Alguns planos do filme parecem ilustrações de livros infanto-juvenis em movimento. Os livros da série “Conhecer por Dentro” e aqueles que se desdobram quando abertos parecem ter servido de inspiração para a apresentação do Belafonte, navio da equipe Zissou. As demonstrações de planos de viagem são feitas em mapas e diagramas estilizados, lembrando antigas enciclopédias mundiais. As próprias cenas de apresentação desses recursos fogem ao realismo. Steve Zissou pára a trama para apresentar seu barco ao público, olhando para a câmera (foto). Wes Anderson aposta na inverossimilhança que começa na narrativa e se prolonga na estética. O mundo particular de toda a trupe e sobretudo o de Steve Zissou, personagem tão forte que empresta seu nome ao título, é retratado na visualidade atípica do filme. A forma com que Zissou enxerga a vida, as pessoas ao seu redor (a união da equipe representada pelo uso dos uniformes) e o seu ambiente de trabalho (o fantástico mundo aquático) é compartilhada com o público através da direção de arte tão característica. A estilização de Wes Anderson, como dito anteriormente, remete ao trabalho de Georges Méliès e Karel Zeman, mas trazido para a modernidade dos anos 2000. Para representar o mundo de aventura e fantasia de Steve Zissou, são utilizados recursos semelhantes aos usados pelos cineastas em obras como Viagem à Lua e O Dirigível Roubado, respectivamente. Com o cineasta francês, o cinema começa a desenvolver sua própria realidade, diferenciando-se do cotidiano pela possibilidade de mágica e ilusão. As tramas se desenrolam dentro de leis próprias. Os cenários são pintados e estilizados. Méliès abriu novos caminhos para que o cineasta tcheco aprimorasse esse conceito. Zeman usa a artificialidade em função do filme, assumindo a inverossimilhança (foto). Bebendo nessas fontes, Anderson aposta em uma estética irreal para ambientar sua história. Assim como no trabalho dos diretores citados, aqui a forma acompanha o conteúdo e sua estilização não faz parte de um formalismo avulso. A visualidade serve aos propósitos da dramaturgia. A exemplo de Zeman, A Vida Marinha cria uma confusão ótica ao misturar stop-motion com live-action. Diante das tendências atuais, o fundo do mar poderia ter sido filmado ao natural ou criado por computação gráfica, numa tentativa de busca de fotorrealismo. Anderson, com todos os modernos recursos dos estúdios Disney disponíveis, fez uma opção ousada pela animação stop-motion. Nada melhor para retratar criaturas fantasiosas como o cavalo-marinho crayon (foto) e os caranguejos doces do que uma técnica que propicia uma atmosfera fantástica, infantil e artesanal para as locações. Henry Selick, animador de stop-motion acentua a qualidade de fábula que Anderson procura transmitir. Tal escolha combina perfeitamente com a direção peculiar e a história de aventura inspirada, mas também parodiada, em obras infanto-juvenis. As criaturas subaquáticas animadas têm seus designs embasados em elementos infantis, fazendo grande uso de cores vivas. Anderson aborda o contraste entre os humanos e todo o ambiente estilizado. Até mesmo o cachorro verdadeiro que acompanha a equipe foge do real, pois lhe falta uma pata – uma possível referência ao Capitão Ahab cuja perna foi devorada pela baleia branca e ao Capitão Gancho cuja mão foi parar no estômago do crocodilo. Mesmo em seqüências desprovidas de animação, a estética transmite a sensação de falsa realidade. A direção de arte e os figurinos seguem o conceito do inverossímil. É perceptível a forte presença do azul, do amarelo e do vermelho nas escolhas da arte, cores realçadas pela fotografia. Milena Canonero (Laranja Mecânica) elabora figurinos gráficos, algo visto em O Dirigível Roubado. Os uniformes da equipe fazem parte da identidade de seus membros e os unem. A noção do falso real na visualidade vem da falsa realidade da própria trama - a equipe Zissou produz falsos documentários. Encenam para a câmera, o que confere aos episódios um tom de artificialidade de interpretação. Os cenários são aparentemente surreais, construídos em estúdio e isso é deixado perceptível para o público. O navio Belafonte é partido ao meio para a apreciação do espectador e transparece suas estruturas de madeira, remetendo ao teatro, local de representação simbólica do real por excelência. São necessários coragem, criatividade e conhecimento da história do cinema para dirigir, no século XXI, um filme construído em oposição ao fotorrealismo, apesar da pequena aceitação do público para este tipo de linguagem. Wes Anderson se destaca no cinema contemporâneo não só na ousadia e unicidade da proposta como em sua qualidade como obra de arte. Filmes Citados A Vida Marinha com Steve Zissou (The Life Aquatic with Steve Zissou, 2004/ Wes Anderson)

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